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4 de junho de 2008

Núcleo Colonial de Itatiaya completa 100 anos – conheça a história

Reproduzo abaixo a palestra feita pela jornalista Célia Borges sobre o centenário do Núcleo Colonial Itatiaya, que está sendo comemorado hoje (4 de junho) e que foi proferida pela acadêmica na solenidade de aniversário da Academia Itatiaiense de História, e ainda algumas fotos exclusivas do arquivo histórico do Paulo Roberto Zikan.
Reler a história do Núcleo Colonial Itatiaya foi, para mim, relembrar o passado de meus antecedentes, emigrantes espanhóis que vieram ocupar lotes vendidos pelo governo federal. Se o Núcleo não tivesse sido criado há cem anos, havia uma grande chance de eu não estar aqui hoje, escrevendo este blog e fazendo reportagens na região, já que poderia ter nascido em outra cidade, outro estado ou até mesmo em outro país. Meu avô paterno, Leon Camejo Baptista, nasceu em Tenerife, a maior das Ilhas Canárias, uma província independente de Espanha localizada a 200 milhas da costa oeste da África, e saindo de sua terra, ainda adolescente, passou pelo Rio de Janeiro, Venezuela e Santo Domingos, na América Central (onde conheceu minha avó, Ângela). De volta ao Brasil, acabou comprando o lote 34 do Núcleo Colonial Itatiaya, para onde trouxe a família em 1912. Junto com meu avô vieram dois de seus irmãos, Justo e Paco, e que ocuparam os lotes 38 e 40, formando a área conhecida como “três casas”. Vovô Leon, que morreu em 1963, morou 18 anos no Núcleo, onde nasceram mais cinco de seus filhos – incluindo meu pai, Guilherme Camejo –, que se somaram aos quatro nascidos no exterior.
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A imigração de famílias européias para a nossa região no início do século passado não foi um fato isolado no contexto da história do Brasil. Ondas migratórias aconteceram na direção de várias partes do país, principalmente para as regiões sul e sudeste, algumas apoiadas e até organizadas pelos governos da época, numa política de investimentos voltada para a diversificação e a expansão da economia, por vários fatores, entre os quais o declínio da monocultura cafeeira.
Por um lado, o “modelo europeu” era o exemplo mais próximo de opção econômica naqueles momentos, e por outro, havia a grande disponibilidade de famílias procurando, numa América ascendente, melhores condições de vida e de trabalho. E o Brasil representava uma escolha atraente, diante da diversidade de climas, da quantidade de terras, e da esperança de um futuro promissor.
Os núcleos coloniais de Itatiaia e de Visconde de Mauá foram concebidos dentro dessa expectativa. Havia uma grande disponibilidade de terras, um clima adequado e a privilegiada localização, inclusive do ponto de vista do escoamento da produção. O objetivo era a produção de frutas, inclusive com a introdução de espécies européias, de cereais, tubérculos, pequenos animais e gado de clima temperado.
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Foto da década de 1920, na antiga sede da Fazenda Itatiaia, no alto da serra, construída toda em madeira e com um telhado característico, com um biruta em forma de pássaros, em meados de 1870. No local eram cultivadas maçãs, pêras e ameixas, com mudas trazidas da Europa. Após 1940 o Parque construiu em seu lugar o Abrigo Macieiras. Grupos subiam 14 km à cavalo, descansavam ali com seus animais e prosseguiam rumo às Agulhas Negras. Na foto, o primeiro cavaleiro da esquerda é o topógrafo e guia de montanha Jorge Hans Spanner; e o de roupa e paletó escuro é o entomologista José Francisco Zikan.
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A PRIMEIRA SAUNA DO BRASIL - Residência e pensão do casal de colonos Walter, do lote número 128, onde eram cultivadas pêras e maçãs. Em 1927 um grupo de finlandeses se hospedou na pensão, entre eles Toivo Uuskallio e Toivo Suni, que mais tarde comprariam a Fazenda Penedo e fundariam a Colônia Finlandesa. A senhora Walter sofria de uma paralisia reumática, e então o grupo construiu ali a primeira sauna que se tem notícia do Brasil, nesse mesmo ano, e que a curou em 3 meses. O forno da sauna foi feito na oficina do senhor Schubert em Itatiaia.
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O primeiro passo para a concretização do projeto foi dado no dia 30 de abril de 1908, quando o governo do estado, representando a União, propôs ao Comendador Henrique Irineu de Souza, filho e herdeiro do Visconde de Mauá, a compra do conjunto de fazendas de sua propriedade, no maciço do Itatiaia. As negociações foram rápidas, e no dia 4 de junho (data escolhida para a comemoração do centenário) foi lavrada a escritura de compra pelo governo federal, de 48 mil hectares, englobando as sete fazendas e suas benfeitorias, ao preço de 130 contos de réis.
As sete fazendas – Central, Queijaria, Taquaral, Invernada, Itatiaia, Mont-Serrat e Benfica – foram algumas das poucas propriedades na região não afetadas pela monocultura cafeeira, nem pela principal atividade econômica que se seguiu, que foi a pecuária. Essas terras eram, e ainda são, uma das maiores e mais importantes reservas de mata atlântica do Estado do Rio de Janeiro e do Brasil. E essa circunstância, se no momento do início da colonização foi um atrativo adicional, continua sendo até hoje motivo de dor de cabeça para os descendentes desses colonos e os demais proprietários das terras do núcleo Itatiaia.
A área foi dividida em dois núcleos, por conveniência de acessos. Tanto o de Itatiaia quanto o de Visconde de Mauá ofereciam lotes rurais de 25 hectares, e lotes urbanos, mais próximos às sedes, de 3 mil metros quadrados. Os primeiros colonos começaram a chegar em dezembro de 1908. Quem teve recursos para pagar à vista recebeu seu título de propriedade, e aos demais, foram dados títulos provisórios, com o início de pagamento em 1911.
Os colonos foram chegando em grupos nos anos seguintes, formados principalmente por famílias alemãs, mas também por franceses, belgas e italianos, entre outras nacionalidades. E desde então foram incorporados à vida social, econômica e política da região nomes como Walter, Daigelle, Spanner, Buller, Butner, Simon, Zikan e Camejo – só para citar os mais conhecidos, e agradeceria a contribuição de cada um de vocês para enriquecer essa minha lista.
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Estação ferroviária Campo Belo, de 1873. Foi muito utilizada pelos colonos imigrantes. Em 1918 foi denominada Barão Homem de Mello, homenagem por ele ter falecido na região, e na década de 1940 passou a ser chamada de Itatiaia.
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Usina hidrelétrica de 1930, construída na margem do Rio Campo Belo, no lote 13. Para servir eletricidade aos sitiantes, duas máquinas geradoras inglesas se revezavam até o final de 1960.
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Em 1912 a União já contabilizava despesas de mais de 307 contos de réis, incluindo a aquisição das terras, a implantação dos núcleos e a construção de casas e estradas. Em 1916 cessou o apoio do governo federal, o que já estava previsto e foi concretizado pelo decreto 12.083 de 31 de maio, dando autonomia aos colonos, que a partir de então puderam optar entre manter ou vender as terras. Alguns ficaram, outros partiram. Os lotes foram revendidos a imigrantes que continuavam a chegar, ou a brasileiros, que passaram a ser designados como “colonos nacionais”.
As propostas originais dos núcleos, como a fruticultura, a horticultura, não foram, entretanto, bem sucedidas, e alguns colonos optaram por receber hóspedes em suas próprias casas, revelando assim uma vocação turística que seria decisiva como opção econômica nas décadas seguintes. Aos poucos foram surgindo pensões, e em seguida algumas pousadas.
Em 1924 Josef Simon comprou o lote 90 do Núcleo de Itatiaia, onde construiu o Sitio Mosela, que de etapa em etapa, cabana por cabana, em 1938 tomou a feição do famoso Hotel Simon (hoje Itatiaia Park Hotel). Na mesma época Roberto Donati adquiriu o lote 128, onde em 1931 seria inaugurado o Hotel Donati, que ficou conhecido como Hotel Repouso. Em Visconde de Mauá, famílias como os Buhler também passaram a se dedicar à hotelaria, explorando o potencial turístico da região.
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Carro dos colonos puxado a cavalos, e que era um meio de transporte que servia aos colonos para subirem e descerem a serra.
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A vida e a luta desses colonos, certamente, dariam para escrever vários livros. A biografia de Josef Simon, por exemplo, daria um belo romance, desde seu amor por Lyra Miranda, cada etapa da construção do hotel, os filhos, a perseguição sofrida durante a guerra, as orquídeas... Cada família com sua história... com seus sucessos e fracassos... com suas decepções e alegrias... com seus sangue, suor e lágrimas derramados nessa busca por realizar sonhos...
Ao pesquisar suas histórias, entretanto, nos defrontamos com uma grande dificuldade, que é a falta de registros e documentos, a não ser os de umas poucas famílias, nem sempre interessadas em partilhar esses conhecimentos com os demais, ainda que esses demais sejam pesquisadores e historiadores. Enquanto a colônia finlandesa do Penedo encontra sua história retratada no livro A Saga de Penedo, da querida e falecida amiga Eva Hildén, a saga dos colonos do Núcleo de Itatiaia não foi suficientemente esclarecida, e, portanto, não pode ainda ser escrita.
Os núcleos coloniais, entretanto, ocuparam apenas uma pequena parcela da área adquirida pelo governo em 1908. O projeto de colonização não tinha atingido seus objetivos, e as terras remanescentes, com suas grandes áreas de mata atlântica preservada, foram incorporadas ao patrimônio do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, primeiro como Reserva Florestal do Itatiaia, e em 1927, como Estação Biológica do Itatiaia. Em 14 de junho de 1937, por decreto do presidente Getúlio Vargas, passou a ser o Parque Nacional do Itatiaia.
A idéia de proteger aquele reduto de mata atlântica não era nova, e 60 anos antes da criação do Parque, o engenheiro André Rebouças já escrevia sobre isso. Mas foi Campos Porto, naturalista do Jardim Botânico, que mais se empenhou nesse projeto, com apoio de outros cientistas, inclusive estrangeiros. Campos Porto veio a ser, aliás, o primeiro diretor do Parque Nacional do Itatiaia.
A criação do Parque, em princípio, não previa qualquer interferência com relação às terras do núcleo colonial. O decreto número 1.713, que criou o parque, definiu sua área em 12 mil hectares. E nos 45 anos que se seguiram, a convivência entre os colonos, seus descendentes e demais proprietários, com a administração do Parque, não foi apenas pacífica, mas sob diversos pontos de vista, extremamente produtiva.
É o caso, por exemplo, da família Zikan, começando pelo patriarca José Francisco Zikan, que com seu filho Walter conseguiu reunir extraordinária coleção de insetos, internacionalmente famosa, e que foi adquirida pelo governo federal, integrando hoje o acervo do Instituto Oswaldo Cruz. Seus descendentes deram suas contribuições, como por exemplo, através do GEAN – Grupo Excursionista das Agulhas Negras – que tem sua própria e longa história, sendo relevante lembrar que um deles, Carlos Eduardo Zikan, exerceu há alguns anos a direção do Parque Nacional. Outras contribuições podem ser verificadas, como as da família Spanner, e a história do parque e seu entorno reúne inúmeros exemplos de apoio, participação e colaboração dessa comunidade formada à partir do núcleo colonial.
Essa situação de convivência pacífica começou a mudar em 1982, quando o decreto número 87.586, de 20 de setembro, sancionado pelo então presidente João Batista Figueiredo, ampliou os limites da reserva para 30 mil hectares, incluindo lotes do antigo núcleo, pertencentes a particulares. O decreto não esclarecia sobre as condições de desapropriação, nem mesmo sobre as justificativas técnicas para incluí-los.
Muita água rolou pelo rio Campo Belo e seus afluentes, desde então, e os problemas criados por essa lei ainda parecem longe de solução. Questões jurídicas e questões políticas se atropelam mutuamente, e juntas, atropelam os cidadãos, contribuintes e empresários, que sobrevivem, trabalham e desenvolvem seus negócios sem qualquer segurança quanto aos direitos de propriedade.
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FOTO DA ESQUERDA: Primeira ponte do Maromba, feita de madeira, e que foi construída para dar acesso aos lotes superiores da serra. O veículo antigo ao fundo era o modelo conhecido como “Ford Bigode”. FOTO DA DIREITA: Primeira casa provisória da família Zikan, construída em 1923, e feita de pau-a-pique.
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Há leis conflitantes, há a proverbial demora nas decisões judiciais, há o oportunismo político e o autoritarismo do executivo, cuja mais recente manifestação sobre o assunto foi desativar, desmontar e despachar para outros locais aquele que era o único museu do nosso município, o Museu da Flora e da Fauna. Há muitas discussões e remotas possibilidades de solução, porque assim como a história dos colonos, a história do Parque Nacional também tem seus mistérios...
Nesse emaranhado de argumentações e contra-argumentações, de ambos os lados, governo e proprietários, há uma questão matemática que precisa ser resolvida antes de qualquer outro passo: se a área comprada do comendador Henrique Irineu era de 48 mil hectares, se a área do Parque é legalmente de 30 mil hectares, se as terras do Núcleo Colonial ocupam aproximadamente 300 hectares, onde foram parar os mais de 17 mil hectares que faltam?
Quem acompanha a questão fundiária do Parque Nacional do Itatiaia já deve ter ouvido essa pergunta. Seu autor, segundo minhas pesquisas, chama-se Luiz Cláudio Leivas. Sua sugestão é que, antes de mais nada, seja contratado o Serviço Geográfico do Exército para fazer o levantamento fundiário, reconstituindo a história desde 1908. Só com esse mapa em cima da mesa, é razoável empreender qualquer discussão sobre a necessidade de desapropriação e outros aspectos fundiários do Parque.
Tomei a liberdade de invadir o presente, e até incursionar pelo futuro, nessa exposição que se refere ao passado, para lembrar aos senhores que a história é uma ciência dinâmica, através da qual o passado se reafirma, interferindo no presente.
Os cem anos do Núcleo Colonial de Itatiaya fazem parte de uma história que ainda não foi devidamente contada, e que hoje nos esforçamos por pesquisar e esclarecer, não só para que possamos escrever sobre ela, mas para garantir que seu legado chegue às novas gerações.Quero concluir fazendo alguns agradecimentos. Primeiro ao empresário Haroldo Simon, que sempre me recebeu com grande cortesia, solícito ao prestar todos os esclarecimentos que lhe foram pedidos; à Maria Teresa de Mehr, da Associação dos Amigos do Itatiaia, incansável incentivadora desse trabalho; ao estudante de pós-graduação Antonio Carlos Carvalho, pela troca de informações e relevante ajuda no levantamento da questão fundiária do parque; e finalmente, à professora Alda Bernardes de Faria e Silva, que não é apenas a fundadora e presidente da Academia Itatiaiense de História, mas guardiã de um dos mais admiráveis acervos sobre a história do nosso município, um exemplo de dedicação e desprendimento em defesa da cultura. Dona Alda que tem sido a grande incentivadora de todos os trabalhos que temos desenvolvido nesses 16 anos, e mesmo antes, sempre pronta a partilhar conosco de seus conhecimentos, suas anotações e documentos, mas principalmente, do seu entusiasmo.

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A jornalista Célia Borges, pesquisadora e autora do texto acima; e Paulo Roberto Zikan, pesquisador das fotos e suas identificações
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Um comentário:

Anônimo disse...

Achei muito importante o documentário. Sou bisneta do sr. Francisco Zikan, e gostaria de saber mais a respeito da família Zikan, sua origem, se é mesmo alemão...